Em âmbito Federal, contribuintes vem conseguindo a prorrogação do recolhimento de tributos estaduais com base na Portaria MF 12/2012. Porém, podem prorrogar, com segurança, o recolhimento dos tributos estaduais e municipais? Como devem agir?
Inicialmente, não requer muito aprofundamento para você, caro leitor, entender que o Brasil e o mundo atravessam um momento único na história recente, um período dramático, de muita tensão e decorrente exclusivamente da Pandemia Mundial do Coronavírus (Covid-19), reconhecida pela Organização Mundial da Saúde. Diariamente tanto você quanto eu e toda a sociedade brasileira é bombardeada com notícias que envolvem essa crise nacional e internacional.
Como consequência ao aumento do número de infectados em território nacional, diariamente vemos ações que os governos vêm tomando, com vista a conter a expansão do vírus. Uma dessas ações é a instituição do estado de calamidade pública, que juridicamente classifica-se como uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.
Em outras palavras, trata-se de uma situação em que o Governo Federal, diante de uma situação anormal, tal como a crise do Coronavírus, fica desobrigado de cumprir uma série de obrigações, tais como: a Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada pelo Congresso Nacional e, com efeitos práticos, possibilita que o Governo direcione mais recursos ao setor que mais precisa naquele momento, como o Ministério da Saúde e também da Economia, de forma complementar. Além disso, o estado de calamidade pública possibilita que o Governo Federal tenha um déficit maior que o previsto na LOA, sem que o Presidente da República acabe por incorrer em um crime de responsabilidade.
Seguindo a mesma linha, o Estado de São Paulo também decretou estado de calamidade pública em âmbito estadual e uma quarentena horizontal em todo o estado. Com efeito, todos fomos submetidos a diversas medidas jamais vistas, tais como isolamento social, fechamento de comércios e serviços não enquadrados como essenciais, redução do transporte público e, acima de tudo, desaceleração econômica grave.
O problema começa aqui
Dado o sistema de caos que impera para todos os setores econômicos, tanto industrial, quanto prestação de serviço ou comercial, empresários se viram do dia para a noite impossibilitados de exercer suas atividades, por determinação expressa do Poder Público, afetando diretamente e de forma intensa a geração de receita, o cumprimento de obrigações com fornecedores, a manutenção de empregados e até mesmo suas obrigações com o próprio estado.
Nesse cenário, empresários e advogados, em conjunto, começaram a buscar medidas alternativas que possibilitem a liberação de caixa para a manutenção das operações e a proteção dos empregos.
Na seara tributária não foi diferente
Recentemente, vimos que a Justiça Federal passou a conceder medidas liminares para prorrogar o vencimento de tributos federais, com base na Portaria MF 12/2012, editada pelo então Ministro da Fazenda do Governo Dilma Rousseff, Guido Mantega, em virtude do estado de calamidade pública vigente no país, efeito direto do Coronavírus.
Entre suas disposições, essa Portaria estabelece que, em situações de calamidade pública nos estados da federação, regularmente instituídas através de Decretos estaduais, seria possível a prorrogação do recolhimento de tributos federais até o último dia útil do 3º mês subsequente ao do vencimento.
Em outras palavras, se um estado da federação decretar o estado de calamidade pública, então os contribuintes situados em seu território poderiam, de acordo com essa Portaria, deixar de recolher tributos federais, tais como PIS, COFINS, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Imposto de Renda e IPI, por 3 meses.
Fazendo uma breve reflexão, essa Portaria tem o objetivo de desonerar os contribuintes situados em um estado da federação onde foi decretado estado de calamidade pública porque, como vimos no início desse artigo, esse estado pressupõe uma situação anormal de desastre, com um comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do estado atingido. Assim, pressupõe-se um momento de caos e uma necessidade de aliviar os contribuintes daquele local.
Esse é o objetivo dessa Portaria, mas, atualmente, o local atingido é o Brasil inteiro.
Analisando esse cenário, a partir de 20/03/2020, com a decretação do estado de calamidade pública no Estado de São Paulo, os contribuintes que estão em seu território poderiam socorrer ao judiciário para a efetiva aplicação da Portaria MF 12/2012, buscando obter uma decisão favorável para prorrogar o pagamento dos tributos federais, com vista a aliviar o fluxo de caixa e possibilitar o direcionamento de seus recursos para as áreas mais cruciais nesse momento.
Porém, e aqui peço atenção, diante da calamidade pública decretada em todo território nacional e, também, no Estado de São Paulo como fica a situação dos contribuintes com o próprio Fisco Paulista? Podem prorrogar, com segurança, o pagamento dos tributos estaduais com base somente na mesma Portaria MF 12/2012? Quais os riscos? São muitas dúvidas a serem respondidas.
Para isso, vamos analisar cuidadosamente como fica a situação tributária dos contribuintes no Estado de São Paulo, se é possível uma medida judicial para prorrogar o pagamento dos tributos estaduais perante o Fisco paulista, diante do conhecido estado de calamidade pública vigente hoje no país.
Em primeiro lugar, sabemos que o Coronavírus causou rápidos impactos em toda a sociedade brasileira e, de forma direta, fez com o que o Governo Federal e o Governo do Estados de São Paulo passassem a rapidamente buscar medidas que pudessem aliviar suas contas e possibilitar o desvio de recursos para as áreas da saúde, principalmente. Pois bem, nesse cenário, no último dia 22/03/2020, o Governo do Estado de São Paulo buscou no Supremo Tribunal Federal uma medida para aliviar seu caixa e postergar o cumprimento de suas obrigações com a União e, através de uma decisão do Ministro Alexandre de Moraes, conseguiu adiar o pagamento de uma parcela de sua dívida com o Governo Federal no valor de R$ 1,2 bilhão de reais por 180 dias para, coerentemente, destinar os recursos no combate ao Coronavírus.
Imaginando o Estado de São Paulo como uma empresa, para fins de mero entendimento, evidentemente, verifica-se que o Governo buscou junto a um tribunal (STF, no caso) uma medida para prorrogar o pagamento de sua dívida com o Governo Federal tendo em vista que no momento precisa destinar o máximo de recursos possíveis para o combate ao Coronavírus, o que inclui medidas de saúde, de economia e, inclusive, para manter suas operações em andamento.
Além disso, o Governo Federal destinou ao Estado de São Paulo verbas adicionais para o combate à pandemia. Em março de 2020 o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 480[4], pela qual destinaria, somente ao Governo Paulista, um valor de R$ 130 milhões de reais. Em outras palavras, o Governo Federal está ajudando a financiar a “empresa” Estado de São Paulo, com vista a manter suas operações e a combater o vírus que se alastra pelo estado, que é o mais atingido entre todos da federação.
Além desse auxílio federal, caso a situação se agrave ainda mais, o Estado de São Paulo tem a opção de um segundo financiamento com a União Federal, qual seja, a emissão de títulos públicos federais. Após a emissão desses títulos o Governo Federal pode destinar toda a receita para o estado o qual terá, ainda, um largo prazo para pagamento dessa dívida.
Indo na contramão, vamos analisar as empresas propriamente ditas, as que funcionam como verdadeiros abrigos de empregos e que tem a difícil missão de manter suas atividades funcionando, proteger os empregos dos seus colaboradores e, no momento, ainda precisam pagar todos os tributos estaduais e parcelamentos a que estão submetidas.
Primeiramente, já sabemos que o futuro incerto da economia brasileira causa medo em todos os setores econômicos. Esse medo afeta diretamente a primeira fonte de financiamento que uma empresa privada poderia se socorrer no momento, os bancos privados. As medidas adotadas pelo governo geraram e continuarão gerando grave receio em todo o cenário econômico. Esse sentimento não é diferente com os bancos privados, que hoje estão receosos na concessão do crédito para empresas privadas, pois temem o inadimplemento por parte dos tomadores de crédito. Além disso, na melhor proposta, os juros cobrados podem gerar mais ônus do que bônus.
Os bancos públicos, por seu turno, não fogem desse mesmo panorama, isto pois, na melhor das propostas que possam oferecer, em virtude do momento de medo que paira no mundo empresarial, acabariam gerando mais ônus do que bônus para as empresas.
Com isso, as fontes de receitas extras que as empresas podem buscar não se mostram muito viáveis no momento e não gerariam um desentrave de caixa necessário e suficiente para proteger os empregos e, principalmente, manter suas operações em andamento. O crédito público e privado poderá ocasionar mais ônus do que bônus.
Por isso, muito recentemente, tributaristas passaram a analisar a possibilidade de prorrogar o vencimento dos tributos e parcelamentos estaduais para conseguir dar uma chance para as empresas sobreviverem a crise sem precisar realizar demissões em massa e, ainda, manter suas operações funcionando. A resistência do Poder Público paulista é grande.
No âmbito estadual, o principal tributo que pesa nos resultados das empresas é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicação, na sigla ICMS.
Relembrando a Portaria 12/2020, que vimos no começo desse artigo, a primeira conclusão é de que não seria possível prorrogar os tributos estaduais, especialmente o ICMS, somente com base nessa portaria, isto porque, ela trata da prorrogação dos tributos federais e nada diz a respeito de tributos estaduais.
Entretanto, importante destacar que a situação atual é muito diferente do que se pode extrair dessa portaria, isso porque o estado de calamidade pública foi decretado em nível nacional e, também em nível estadual e o Coronavírus se espalha cada vez mais em São Paulo. Ou seja, além do estado de São Paulo estar em estado de calamidade pública, o próprio Governo Federal também se encontra em situação idêntica.
Com isso, a situação anormal que vivemos atinge todo o país o que, inegavelmente, inclui, o Estado de São Paulo, permitindo, por lógica, tratar com uma certa margem a aplicabilidade dessa portaria dentro do Estado de São Paulo, sem esquecer ainda do Convênio CONFAZ 169/2017 que prevê a possibilidade de prorrogação dos vencimentos de ICMS nos casos de calamidade pública. Contudo, é necessário aprofundar mais a ideia que defendemos.
Em breves comentários, a Constituição Federal vigente atualmente no Brasil, promulgada em 1988, é classificada pelos constitucionalistas como programática. Isso significa dizer, em termos práticos e simples, que o texto da constituição estabelece objetivos finais que a sociedade brasileira um dia deve atingir com plenitude. Exatamente por isso que na Constituição conseguimos encontrar objetivos tais como a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho, a busca do pleno emprego, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos, sem qualquer preconceito, entre outros objetivos para que a sociedade brasileira um dia os alcance com plenitude.
Nunca foi tão necessário observar esses objetivos finais previstos na Constituição para que ocorra uma efetiva proteção dos empregos de milhões de pessoas e as operações das empresas em andamento. É dever do estado abrir mão de receita dos impostos, em caráter extraordinário e temporário, em prol da população, levando em consideração que as empresas são a fonte geradora de renda de milhões de brasileiros e brasileiras.
Até aqui já sabemos que hoje as empresas correm sérios riscos operacionais e uma coisa é fato, muitas delas não sobreviverão a crise e terão que demitir colaboradores, em alguns casos, milhares de pessoas poderão ficar sem emprego. A partir do primeiro caso relatado de infecção em território nacional, datado de 26/02/2020, os governos brasileiros têm tomados várias medidas rigorosas para conter o vírus.
Já mencionamos que no Estado de São Paulo está vigente o regime de quarentena e já vimos também que isso importa diversas medidas de restrição aguda, tais como isolamento social, quarentena horizontal, fechamento de indústrias, comércios e prestação de serviços não enquadrados como essenciais e a diminuição acentuada do consumo e da geração de receita, um efeito direto e inevitável.
Trazendo para o campo do Direito, tais medidas, exclusivas do Administração Pública, se encaixam com uma certa clareza na consagrada Teoria do Fato do Príncipe, que, de fato, é mais aplicada em licitações e contratos que particulares celebram com a Administração Pública, e menos no Direito Tributário.
Contudo, com fundamento nessa Teoria, em complemento aos outros fundamentos apresentados ao longo desse artigo, é que há a possibilidade de os contribuintes, empresários, solicitarem junto ao Judiciário a prorrogação do vencimento dos tributos estaduais, para aliviar o caixa e destinar os recursos na manutenção de suas atividades operacionais e dos empregos.
Em síntese, a Teoria do Fato do Príncipe pode ser definida uma ação unilateral da Administração Pública, que acarreta um desequilíbrio econômico financeiro em detrimento do contratado, no caso o particular e no campo do direito tributário, os contribuintes.
Como mencionado, essa Teoria é mais aplicada no Direito Administrativo, mas, no cenário atual, abriu-se uma profunda discussão acerca da sua aplicabilidade no Direito Tributário, isso porque, empresários de todo o território paulista passaram a sofrer, de forma extremamente abrupta, restrições em larga escala e de forma profunda, por ações exclusivas da própria Administração Pública, no caso o Estado de São Paulo, como o isolamento social, o fechamento dos comércios, industrias e prestadores de serviços não enquadrados como essenciais, que ocasionaram uma queda alarmante na receita das empresas.
Em outras palavras, as empresas foram afetadas por medidas gerais, que fogem do seu controle, de caráter obrigatório e que, de forma direta, ocasionaram quedas vertiginosas em suas receitas. Há, portanto, um claro desequilíbrio econômico gerado por ações unilaterais da Administração Pública, que é exatamente o que estabelece a Teoria do Fato do Príncipe.
Além disso, em última análise, as relações tributárias entre empresas e o Fisco se revestem, em sua essência, de contratos, de natureza de adesão, com a evidente diferença de que as obrigações atreladas a cada sujeito da relação jurídico-tributária são delineadas na Lei e não sob a forma de um documento com cláusulas. Esse é o entendimento Juiz Federal Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal de Brasília e que teve ampla repercussão no mundo jurídico.
Contudo, importante que tratemos a respeito do risco que os empresários correm com uma prorrogação do pagamento dos tributos estaduais, principalmente o ICMS, sem a guarida de uma decisão judicial.
Em dezembro de 2019, no julgamento do RHC 163.334, o Supremo Tribunal Federal formou o entendimento de que a conduta de não pagamento do ICMS próprio declarado passou a configurar crime, nos termos do artigo 2º, inciso II da Lei 8.137/1990. Ou seja, se o contribuinte declarar (escriturar) o ICMS em seus livros fiscais e não recolher aos cofres públicos incorrerá em um crime.
Entretanto, a tese fixada pela Suprema Corte deixa claro que o contribuinte deve agir com dolo de apropriação e a conduta deve ser contumaz. Mas, infelizmente, deixaram os Ministros de definir com precisão os critérios utilizados para considerar que o contribuinte agiu com dolo ou que vem a ser uma conduta contumaz e quando ela fica configurada com clareza.
Com essa omissão, cada estado definiu, dentro do seu território, quando ficaria caracterizado o devedor contumaz. No Estado de São Paulo caracteriza devedor contumaz o contribuinte que possui débitos de ICMS declarado e não pago, inscrito ou não, relativo a 6 meses de apuração, nos últimos 12 meses anteriores ou aquele contribuinte que possui débitos de ICMS inscritos em dívida ativa, que totalizem valor superior a R$ 1.100,000.
Entretanto, no caso, a depender da interpretação do agente fiscalizador, com fulcro no julgamento do Supremo Tribunal Federal, a mera inadimplência do contribuinte poderá ensejar uma responsabilidade criminal e em tempos de pandemia essa situação se agrava ainda mais. Imperativo, portanto, que as empresas tenham a guarida de uma decisão judicial favorável, que permita a prorrogação do vencimento dos tributos e parcelamentos estaduais, com vista a mitigar esse risco.
Conclusão
Em conclusão, o cenário econômico atual não aceita erros e o destino de muitas empresas será o mesmo, a quebra. Milhares de pessoas continuarão a perder seus empregos. Por isso, medidas para aliviar o caixa das empresas e efetivamente manter os empregos e a geração de renda para milhões de pessoas é uma medida necessária e que pode ser atingida através da prorrogação do vencimento dos tributos estaduais. No cenário atual, apesar de o risco ainda ser alto, não há apenas a Portaria 12/2012 e Convênio CONFAZ 169/2017 como respaldo jurídico para requerer a prorrogação do vencimento dos tributos e parcelamentos estaduais.
As ações do Estado de São Paulo, com vista a conter o avanço do Coronavírus, acabam por ocasionar claro desequilíbrio econômico para as empresas, que não pode ser ignorado. A aplicação da Teoria do Fato do Príncipe não poderia se mostrar mais clara do que no contexto atual e o próprio Estado de São Paulo buscou medidas para prorrogar o pagamento de suas obrigações com a União Federal.
A Constituição Federal deve ser interpretada em prol da população e dos objetivos finais que estabelece para que a sociedade brasileira sempre os observem no caminhar de sua evolução, sendo imperativo a manutenção dos empregos e da geração de renda das empresas, que, como dissemos são verdadeiros abrigos de empregos e provedores renda para milhares de famílias brasileiras.
Fonte: Portal Contábeis